sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Paixão


Autor: Filipe Cabral

"Para mim, o titulo ideal é: Do tempo da prosa com cara de poesia."


É fato, já diagnosticado e comprovado. O mais importante da nossa vida são as paixões. Me desculpem os mais tradicionais. O amor tem seu valor, sua beleza e importância, mas bom mesmo é o sentimento da paixão. Aquele estouro de sensações que pode fazer com que, mesmo nas últimas velas assopradas da vida, nos sintamos ansiosos e empolgados como no tempo das primeiras espinhas na cara.
Que fique bem claro, nada contra o amor! Mas convenhamos que se o amor nos promete a tranqüilidade perene de um colo quente, nos acalma e nos cria sorrisos mansos no rosto, a paixão tem o passe livre entre céu e inferno, une e separa ao mesmo tempo, nos faz molhar o sorriso com lágrimas, engravida. A paixão é o que expande veias e artérias, é final do carioca no Maracanã, o porre de uísque, o carnaval na Sapucaí, a apoteose dos sentidos, é o tesão do amor.
Muita gente, talvez iludida num mundo de borboletas, flores e céu azul de Hollywood, chega a afirmar que casar é a solução. Para isso vivemos. Também não sou contra o casamento, mas não há mortal nesse mundo que me convença de que o casamento seja o remédio para todos os males. Aliás, o que não falta é gente que morre dizendo o contrário. Um casamento sem paixão ou do qual a paixão se despede com o tempo é flor sem água, sexta-feira sem cerveja, feijoada sem samba, Rio sem Ipanema e Madureira. Apesar do conforto de um amor pra vida toda, o que eu gosto, de verdade, é de me apaixonar. Por tudo, por todas, a toda hora, momento, instante, em qualquer lugar ou em lugar nenhum. Basta uma gargalhada bem dada, uma fina alça de blusa caída do ombro, um sotaque mais puxado, um samba a dois ou uma citação bem colocada de Marx, Gramsci, Nietzche, Bauman, tanto faz para que o mundo ganhe contornos coloridos e um novo dia nasça. Ao contrário do amor, a paixão não exige a perfeição completa e a integridade da beleza e aprumo para se manifestar. Grande escritor e ídolo, Xico Sá afirma em seus textos que “mulher é metonímia, a parte pelo todo, sempre encontramos, naquela que se acha a mais feia das mulheres, um pedaço da anatomia capaz de provocar uma inexplicável razão de viver”. E mesmo sem muita propriedade pra falar, acredito que o mesmo deva acontecer com os homens, ainda que, em minha opinião particular, tenham uma anatomia bem desprivilegiada em relação a das mulheres.
A paixão nos permite um leque de possibilidades que nenhum outro sentimento é capaz. Nos apaixonamos, ontem, hoje, amanha, no trabalho, no mês que vem, na escola, faculdade, na fila do supermercado, na mesa de bar, no ensaio da bateria ou numa cerimônia religiosa ortodoxa. Por uma mulher, por outra depois, pela mesma de antes mais uma vez, por homem, amigos, histórias, por gatos e gatas, cachorros e cachorras, galinhas, pintos, pererecas e piranhas, seja lá o que ou quem for. Apesar de não ser sempre a mesma, a paixão, ao contrário do amor, consegue ser constante na vida. Ela foi, é e ainda há de ser num outro dia, mês ou ano. Mesmo quando morta, é capaz de ressurgir das cinzas por um simples telefonema, carta, e-mail ou mesmo por um encontro inesperado.
Além de tudo, a paixão não implica posse. Por sua característica geral e passageira ela pode não me permitir dizer que “sou de todo mundo e todo mundo é meu também” (Platão que o diga), mas também não me torna um proprietário de algo ou alguém. A grande graça, talvez, resida justamente nessa fugacidade. Na necessidade e possibilidade de se renovar todos os dias. “Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure”, já dizia o poetinha referindo-se, quem sabe precipitadamente, ao amor. A paixão é isso. É um balanço à sorte da maré, é o vai e vem, o início e o fim, é sístole e diástole. Conclusão geral: Não há saída, na verdade, todo mundo quer se apaixonar.


Imagem: "All saint day I" Kandinsky

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